A cozinha encantada da vovó Faride

Comida boa é o maior luxo que a gente pode ter. Talvez só não seja maior do que ter uma casa espaçosa e clara, repleta de lembranças boas. Sempre admirei quem sabe cozinhar e quem gosta de cozinhar. E a mais incrível das mordomias seria poder contratar uma cozinheira de forno e fogão e pagar um rio de dinheiro para ela me alimentar com prazer e bom humor.

Eu devia ser uma grande cozinheira... Aulas de culinária com mestras maravilhosas não me faltaram. Mamãe, Dindinha, minha cunhada Núbia, tia Leila, as amigas Lara, Dedéia e Balbina, Nigella e Claude Troisgros, que os programas culinários estão entre os meus preferidos de assistir. Fico ali na frente, literalmente suspirando e babando. Sou uma voyer. Só pode.

E houve uma outra fada da cozinha, que nome de fada já tinha: Faride. Seus quitutes da Pérsia eram dignos de viver mil e uma noites só para contar e comer, comer e contar. Vovó Faride é a vó da Dedéia, que com ela aprendeu muitos segredinhos culinários. Foi ali, na cozinha daquela família mezzoárabe-mezzoitaliana, que descobri o paladar de quitutes exóticos para uma menina acostumada aos almoços ti picamente goianos.

Kibe cru, tabule, charuto, massa de macarrão feita em casa... A cada fim de semana desfrutado com a família da Dedéia, eu aprendia a amar a gastronomia árabe/síria/libanesa (com toda a confusão que a gente faz em relação a esses povos). Introjetei de tal maneira o prazer da comilança dessas terras desérticas, cujo o calor humano no preparo de cada prato é inversamente proporcional à aridez de seus vales, que não poderia ser outro o banquete do dia mais radiante da minha vida: o da oficialização do meu casamento.

- Você poderia fazer uma mesa árabe pelo mesmo preço da mesa de frios?

E assim foi. Eu tinha de nutrir com amor os meus convidados. E o amor estava em cada gesto preciso e lento de vovó Faride. Até na sua voz fininha de fada etérea, sempre frágil, sempre doentinha, mas sempre diligente nas panelas.

Anteontem, domingo, fui com o Bernardo conhecer uma nova casa de comidinha árabe na cidade: a Zahia, que fica na comercial próxima da área de quitinetes do Sudoeste. Indicada por paladares exigentes: o namorido da minha tia Leila, Loey (olha a mão do destino unindo minha tia de nome árabe com um outro mestre culinário de Damasco).

Comi o melhor charuto de repolho da minha vida! Ops, perdão, vovó Faride! Talvez o segundo melhor, pois o da senhora não era feito para lucrar, mas para manter unida a família em volta de mesa farta e animada.

A dona do estabelecimento, orgulhosa de sua proeza, veio conversar com a gente, explicando que é a primeira vez que trabalha fora: "Eu antes só cozinhava para a família". Era a senha que faltava para me trazer de volta todos os almoços coordenados por vovó Faride, a matriarca das mulheres-fadas: Farize, Fádua, Fábia... Passei o resto do domingo me lembrando da infância feliz e gulosa. E hoje escrevi essa mensagem para Dedéia:

Oi Dedéia,
por acaso não é hoje o aniversário da Guadalupe (13/09)? Acordei e me lembrei assim, sem mais nem menos. É porque ela é uma mosquitinha tão encantadorinha, não?

E é o dia da sua mãe também, né? No domingo eu fui comer umas comidinhas árabes num café chamado Zahia, muito bom, lá no Sudoeste. A dona veio nos atender e conversar um pouco sobre os pratos, contando todo o amor e arte que ela colocava em tudo... Lembrei muito das comidas na sua casa, da vovó Faride e de como eu aprendi a adorar esses sabores da Pérsia...

Graças ao convívio com a sua herança árabe, eu pude ter contato com essa culinária maravilhosa!!!

Sempre agradecida e toda a luz, alegria e saúde para a Lupe!!!!

Lulu.

E rapidamente ela me responde:

Oi Lulu! É sim, dia da Lupe, da minha mãe...

E veja que curioso, vc mencionou a querida vovó Faride... Enterramos ela ontem... Passei o dia no velório lembrando as comidas dela, tudo de bom que nos deu, toda a luz com que ela nos nutriu. Desde ontem estou escrevendo algo que se chama "Rosa Rei", nome do esmalte que ela pintou as unhas durante toda a vida. Sempre escrevo e não sei colocar título nas coisas. Dessa vez o título veio bem na frente...


Meu coração chorou e eu me quedei assim, meio zonza... Pensando que vovó Faride estava, no domingo, se despedindo de mim. Me dando de comer e dizendo: "para com essa besteira de dieta, prova logo esse quibe que você tá magrinha demais!"
Vovó Faride... Você nem era minha vó, mas eu sou vira-lata, qualquer colo me comove! Obrigada por repartir comigo a sua última refeição de fada. Estava tudo feito com o amor de sempre!

Comentários

  1. Não sei se há uma relação entre seus posts mais recentes e aquelas citações que você coloca no cantinho que chama "submersas". Mas dessa vez houve. Talvez o que tenha feito dos quitutes de Faride algo mágico e inesquecível seja o amor. O mesmo amor que, quando ausente, deixa tudo pobre e sem sabor, como disse Madre Teresa.

    Valdeir Jr

    ResponderExcluir
  2. Ô Lulu, quanto carinho... Ficou lindo!

    Minha mãe vai chorar, mostrar pra todo mundo, emoldurar... Pode deixar que vou levar umas cópias pra ela hoje à noite, quando formos jantar em homenagem a ela.

    Beijos,

    Andréa.

    ResponderExcluir
  3. Maravilha este lugar que você foi tomar café Lu! Só um detalhe: eu e Loey achamos o preço um pouco salgado. Mas a dona é mesmo uma simpatia!!

    OBS.: nós estamos ficando experts em comida árabe. Neste domingo arriscamos fazer aquele sanduiche da estação da Torre ,e por sinal, ficou maravilhoso ... Da próxima vez eu chamo vocês, foi só um teste e deu certo!

    Beijos,

    tia Leila.

    ResponderExcluir
  4. Primo querido,

    Sim, com certeza o amor faz toda a diferença...

    Engraçado que eu estava lendo uma dessas mensagens de power point que a minha sogra adora enviar e ali estava essa frase da Madre Tereza. Achei bacana e copiei postar qualquer dia no blog.

    Eis que surge o dia, hoje, o mais indicado para tal frase. Tudo em sincronia... Foi a minha maneira de elaborar o luto da vovó Faride, do fim de uma época, da nostalgia daqueles tempos tão bobos e bons.

    Já chorei um pouco, que também vale. Lágrimas confortam o coração doído.

    Um beijão e obrigada pelos comentários!!

    Lulupisces.

    ResponderExcluir
  5. Que história bacanésima! Lembro do nome, Faride... Luzinha, você capta as coisas mesmo...

    Aprendi a cozinhar com amor por causa de filho e marido. É tão bom ver a carinha do filho quando ele vê que vc cozinhou o que ele gosta! Hoje foi assim: bife acebolado (não tem erro!) rs.

    Bjs
    Patty

    ResponderExcluir
  6. Linda história. Sincronicidade pura. Amor é assim, né? Beijos, Débora

    ResponderExcluir
  7. Oi Luciana, tudo bem?

    Comecei a ler o texto e já senti o que viria no final. Cada dia que passa tenho mais certeza de que o espiritismo sabe o que diz. Nada é por acaso. Você sentiu tudo o que estava acontecendo e se despediu da vovó Faride em alto estilo.

    Foi bom também lembrar da Andréia. A imagem da mãe dela veio nítida à minha mente.

    Grande abraço,

    Lara

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos